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COCADAAAAA, COCADINHAAAA...





Spix e Martius, quando estiveram na Bahia, nos idos de 1818 nos deixaram o seguinte relato sobre a cocada:" Com a polpa do coco, ralada, cozida e adicionada de açúcar, prepara-se a cocada". Para os autores a cocada era um "doce saboroso".(1) A cocada é aquele doce que também faz a felicidade da criançada. Na década de 80 e 90 era comum encontrar aquela vendedora de cocada pelas ruas das cidades. A cocada geralmente está associada a Bahia.

É um doce que fazia/faz parte dos tabuleiros das Baianas. Segundo, Sampaio: "cocáda: doce. Seco; de coco da Baía ralado. A verificar se também é nome de uma mistura de leite de coco e aguardente, em Barbacena"(2).

Mas, ela também é encontrada nos registros em vários outros lugares deste país. A cocada tem na sua base o coco que segundo é uma fruta originária da Ásia. Segundo Gomensoro: " A polpa madura é rica em gordura e é utilizada de diversas maneiras:fresca, ralada e espremida, fornece o leite do coco; fresca, ralada ou em lascas, é ingrediente para doces, bolos e comidas salgadas (...) O coco é um ingrediente fundamental na culinária baiana, e também nas culinárias da Indonésia e da Tailândia". (3) Em se livro Açúcar, Gilberto Freyre, nos diz que a cocada era: "(...) doce mais de tabuleiro que de sobremesa fina" E era também "doce mais estimado por meninos do que por adultos". Trazendo ao debate alguns aspectos de como:

"A sociologia do doce não deixa de cruzar-se, em alguns pontos, com a sociologia das gerações (...)". (4)

A cocada como parte do conjunto de doces brasileiros que fazia/faz a alegria dos seus apreciadores. Na imagem, receita de cocada de praia, da edição antiga do livro de receitas União. Experimenta fazer essa receita e depois me conta o que achou!?


Você sabia que a cocada é um doce presente em outros países da América Latina? E que na Colômbia ela faz parte dos doces vendidos por mulheres em vários locais da Costa Caribenha Colombiana.


Em matéria o jornal El Tiempo faz referência a essas mulheres como as "vendedoras de alegría"? Essas mulheres são vendedoras de "dulces de ajonjolí, de maní, cocadas de leche, de piña y mantecadas. Los dulces son su vida y su sustento". Muitas delas aprenderam "gracias a la instrucción de su mamá, el oficio de preparar los dulces típicos de la costa caribe". Mulheres que sustentam a si e sua família com a venda de doces ou como elas mesmas dizem "Nuestros deliciosos dulces de la costa , como ellas los definen". E assim, "A la una de la tarde (...) salen por Ibagué, y su pregón (...) Grita Teresa Llevo alegría, cocada, maní, ajonjolí, dulce de leche,las cocaaaadas (...) Y así pasan la tarde, y la vida, vendiendo cocadas a 600 pesos, caminando y pregonando (...)". (5) A cocada para essas mulheres é antes de tudo, o produto que permite o ganha pão diário, o trabalho que através de gerações possibilita o seu sustento e de suas famílias.

Na imagem, temos a estátua que é uma homenagem A Palenquera, mulheres que vendem doces entre eles a cocada em Cartagena. Maíra Freitas nos permite uma ampla análise sobre gênero e trabalho em torno das mulheres vendedoras de cocadas e doces, chamadas de Palenqueras. A autora analisa em seu texto: "(...) a especificidade do trabalho do fazer doces de mulheres negras da comunidade de San Basilio de Palenque, localizado no município de Mahates, no estado de Bolívar, na Colômbia, distante 45 km da cidade de Cartagena de Índias". (6) E ainda, "A feitura dos doces é a base da renda familiar e, na maioria dos casos, a principal fonte de renda da mesma. Esta atividade vem de um saber-fazer tradicional das famílias, que é transmitida de geração em geração. Os doces são vendidos por mulheres que os carregam sobre a cabeça em uma bacia de alumínio. A comercialização dos produtos é feita internamente e em outros municípios da Colômbia e até mesmo em países vizinhos retornando assim os lucros para a comunidade".(7) As cocadas estão entre os principais produtos de venda das palenqueras. Como nos aponta a autora: "Os produtos elaborados, em sua maioria, são: cocadas brancas, cocadas negras, cocadas de goiaba, os doces de mamão, alegrías (doce à base de milho, coco e rapadura), cocadas de abacaxi com rapadura, alguns doces em forma pastosa, doce de tamarindo, doce de gergelim e o bolo de yuca".(8) O trabalho que as palenqueras fazem é árduo, constante e bem cansativo ao corpo também.Contudo, ao longo do tempo permanece sendo realizado pelas mulheres da comunidade de San Basilio de Palenque, a cidade foi quilombo e fora fundado por africanos escravizados no período Colonial.

Aliás, hoje é declarada Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO. A venda de doces era/é parte importante da resistência destas mulheres por sua autonomia e identidade. E você já conhecia as vendedoras de cocadas Palenqueras?

Então, vender cocada era uma atividade apenas das mulheres no Brasil? Não, vender cocada também era uma atividade masculina, ao menos no Brasil. Geralmente, os homens não faziam cocadas, mas, vendiam. Fazer cocada era uma atividade das mulheres. Um saber que vinha de família. Como nos aponta Freyre: "através das receitas- algumas delas, segredos de família-, é uma arte que resiste a seu modo ao tempo, repetindo-se ou recriando-se, com a constância das suas excelências e até das suas sutilezas de sabor; afirmando-se, por essa repetição ou por essa recriação ". (9)


E ainda, "(...) o doce, o bolo, o quindim feito com açúcar por aquelas mulheres que todos os dias faziam renda e, todas as semanas, faziam doce (...)".(10)


Uma das telas mais bonitas que nos mostra um vendedor de cocada, é a tela: O Vendedor de Cocada, de Darcy Cruz, de 1931. Um homem com seu tabuleiro de cocada, ao fundo uma vila muito colorida e bem movimentada nos permite entender a dinâmica deste comércio, já que o homem está com seu tabuleiro em local de muito trânsito de pessoas. Poderia ser uma praça? Notem as crianças brincando no chão. O vendedor de cocada está pronto pra vender, numa mão segura ao que parece o cortador do doce e na outra um pedaço de papel. A tela de Darcy nos traz um sentimento de alegria e uma vontade imensa de estar ali no meio daquela gente, pedindo uma cocada. Aliás, sempre que eu olho pra tela, tenho a sensação de que eu estou na frente do vendedor a comprar cocada. Machado de Assis, em Dom Casmurro nos lembra do homem que vendia cocadas as tardes pelas ruas do Rio de Janeiro: "Tínhamos chegado à janela (...) desde algum tempo (...) vinha apregoando cocadas, parou em frente e perguntou: --Sinhazinha, qué cocada hoje? --Não, respondeu Capitu. --Cocadinha tá boa. --Vá-se embora, replicou ela sem rispidez. --Dê cá! disse eu descendo o braço para receber duas. Comprei-as, mas tive de as comer sozinho; Capitu recusou. Vi que em meio da crise, eu conservava um canto para as cocadas, o que tanto pode ser perfeição, como imperfeição, (...) fiquemos em que a minha amiga, (...) não quis saber de doce, e gostava muito de doce".(11)

A cocada era para Machado de Assis, um dos seus doces preferidos. Talvez por isso, a ênfase de que Capitu estaria muito preocupada com o que Bentinho havia lhe contado pouco tempo antes, pois, havia recusado o doce, mesmo gostando muito de doce. Afinal, quem recusaria uma cocada? Era um sinal de quê Capitu estava bastante preocupada e pensativa.

. . . 📚✍🏽Referências. 📸 Livro de receitas União. https://uniao.com.br/livros

📸 https://mapio.net/images-p/9880235.jpg

Darcy Cruz, O vendedor de cocada, 1931. óleo sobre tela, 50 x 70 cm 🔖 Qualquer óbice em relação a tela por favor nos avisar. Uso Educacional. *** (1) Spix, J. B von e Martius, C.F.P Von. Viagem pelo Brasil (1817-1820). Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1938. p. 276/7 (2) A.J. SAMPAIO, A Alimentação Sertaneja e do interior da Amazônia. Companhia Editora Nacional. Rio de Janeiro, 1944, p. 310. (3) Gomensoro, Maria Lúcia. Pequeno dicionário de gastronomia. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999, p. 119. (4) Freire, Gilberto. Açucar: uma sociologia do doce, com receitas de bolos e doces do Nordeste do Brasil, 5 ed. SãoPaulo: Global, 2007. p, 30.

(5) VENDEDORAS DE ALEGRÍA. Por: REDACCION EL TIEMPO, 28 de febrero 2003, 12:00.

In: https://www.google.com/amp/s/www.eltiempo.com/amp/archivo/documento/MAM-981890, Acessado em 30 de setembro de 2021. (6) (7)(8) 41º Encontro Anual da Anpocs, GT 13: Gênero, trabalho e família Título do trabalho: Tocaba irme a vender: Gênero, trabalho, raça e família numa comunidade negra do Caribe Colombiano. Nome da autora: Maíra Samara de Lima Freire, 2017.

(9)(10) Freyre, Gilberto. Açucar: uma sociologia do doce, com receitas de bolos e doces do Nordeste do Brasil, 5 ed. SãoPaulo: Global, 2007. p,31- 32.

(11) Machado de Assis, J. Maria. Dom Casmurro, São Paulo, Átila, 1974. p.15. 📌 Para saber mais: BROWN-GLAUDE, W. Higglers in Kingston Women’s Informal Work in Jamaica. Nashville. Vanderbilt University Press , 2011. MINTIZ, Sidney. Caribe: História e Força de Trabalho. In: O poder amargo do Açúcar: produtores escravizados, consumidores proletariados. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2010.

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