O pato no tucupi, prato típico paraense muito consumido no Círio de Nazaré,mas, antes era de consumo no Natal e Ano Novo em Belém se tornou patrimônio cultural de natureza imaterial pela Lei nº 9.606/2022, a regulamentação foi aprovada pela Assembleia Legislativa do Pará no mês de maio.
E sancionada pelo governador do Estado do Pará, em 2 de junho de 2022.
Você sabia que para um prato se torna patrimônio cultural de natureza imaterial tem que ser levado em consideração a historicidade desse prato? E que o historiador da alimentação tem papel importante nesse inventário? Desde 2009, eu estudo a maniçoba e o pato no tucupi.Mas, você sabe o que é o Pato no Tucupi? Em minha tese eu abordo a historicidade deste prato que é ancestral indispensável no Almoço do Círio.(1) Então, vamos conhecer um pouquinho mais sobre o pato no tucupi.O pato selvagem era consumido por diversos pobos indígenas antes da colonização. Assim, "O pato selvagem ou nativo era consumido por grupos indígenas desde antes da colonização, sendo chamados de ipeca". (2) Gandavo informava que os patos brasileiros não eram “menos saborosos e sadios” que aqueles encontrados na Europa e que os moradores da região os tinham “em mais
estima”.(3) Eram também maiores que aqueles encontrados na Europa. Todavia, o consumo sofreu mudanças e aos poucos foram sendo incorporados temperos portugueses. Sobre isso nos esclarece o Frei João de São Queiroz, no ano de 1763, quando informa que, nos arredores de Faro, no Grão-Pará, os patos eram consumidos já no século XVIII, ao “gosto português”, De acordo com seu relato, havia “caça de grandes patos, saborosos e tenros, também os inambus (...) são bem estimados, e não são inferiores às perdizes do termo de Lisboa e Castelo-Branco, temperados, porém ao gosto português”.(4) Por meio da pesquisa em jornais que circulavam em Belém e no interior do Pará, observei que, já no século XIX, o consumo dos patos fazia-se em épocas de festividades. No geral, os moradores criavam os animais que iam consumir em tempos de festas e o pato não parecia ser prato de consumo diário. Assim, próximo ao natal de 1917, em Belém, do quintal da residência do Sr. Joaquim Pantaleão, “o “Pauta”, como era conhecido o antigo empregado do Teatro da Paz, havia sido roubado pelos gatunos algumas galinhas e um “gordo patarrão que aquelle senhor reservava para a noite de Natal”.(5) Na década de 1920, ao lado das festas de fim de ano, um pouco antes dessa data encontramos também sendo servidos patos como presença obrigatória nas mesas da festa anual de Nossa senhora de Nazaré, em outubro. Em 6 de outubro de 1939, o Bar BéBé, no Largo de Nazaré, em virtude do arraial oferecia “o saboroso PATO NO TUCUPY”.(6) Vemos então o pato no tucupi, apesar do uso desse molho de origem indígena, como um prato mestiço, pois, já é possível termos a presença de alhos, pimenta-de-cheiro e banha. Sobre essa realidade Jacques Flores assim de refere ao pato no tucupi:
“Vindo do forno, tostado, com aquela cor característica aos assados, nadando em gordura, é o petiscoso „canard‟ esquartejado ou melhor trinchado, sendo os respectivos pedaços, numa verdadeira fusão entre a ave e o suco da mandioca, mergulhados no tucupi (...). Então, mais que depressa, o jambú é posto dentro da panela onde se acham em amistosa união o pato e o tucupi (...). Enquanto isso, espremem-se na molheira vários dentinhos d‟alho e algumas pimentas de cheiro. Põe-se após, nessa vasilha, um pouco de tucupi, e está pronto o molho, molho que é a alma do pato no tucupi”.(7)
O pato no tucupi primeiro é assado e posteriormente fervido em liquido, no caso de Belém, este líquido é o tucupi. Lopes Dias, nos enfatiza que os grupos indígenas assavam, moqueavam e aferventavam as carnes e
isso era realizado apenas com líquido e pimentas.(8) O refogado com banhas ou óleos e tempero nas panelas era realidade na cozinha portuguesa e que foi incorporada aos pratos regionais. O “pato no tucupi”, cujo consumo tem origem
nos grupos indígenas, foi aos poucos sendo mestiçado, ao seu preparo foram
incorporadas as técnicas de assado à moda portuguesa, e posteriormente cozido em um líquido.(9) O pato que era apenas consumido pelos grupos indígenas com molho de tucupi, pimenta e farinha passa a ser assado e posteriormente fervido no tucupi com jambu sendo acrescido ainda no momento de consumo o arroz, além da farinha. (10) É prato de pertencimento e identidade regional. E agora por lei, patrimônio cultural de natureza imaterial do Pará.
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📚✍️🏽 Referências.
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📸 Pato no tucupi. Acervo da Autora.
(1)(2)(7)(10)Macêdo, Sidiana da Consolação Ferreira de. A Cozinha Mestiça uma história da alimentação em Belém. (Fins do século XIX e início do século XX). PPGHIST. UFPA, 2016. P, 184-187.
http://repositorio.ufpa.br/jspui/handle/2011/8849
(3) GANDAVO, Pero de Magalhães de. A primeira história do Brasil: História da província Santa Cruz a que vulgarmente chamam Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004, p. 48.
(4) QUEIROZ, D. Frei de São José. Visitas Pastorais. Rio de Janeiro: Ed. Melso, 1961, p. 210, 211.
(5)Folha do Norte, 21 de dezembro de 1917, p. 5
(6) Folha do Norte, 6 de outubro de 1939, p. 3.
(8)(9)LOPES, J. A. Dias. O país das bananas. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2014, p. 201, 202, 203.
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