Diferente do que aconteceu com outros produtos do chamado "Novo mundo" o Peru teve aceitação mais imediata na Europa.
Em parte porque como nos esclarecem Flandrim e Montanari: "Se o peru foi adotado praticamente desde sua chegada, é porque nas mesas aristocráticas da Idade Média se comia todo tipo de ave de grande porte — algumas intoleráveis, do nosso ponto de vista, como os alcatrazes, as cegonhas, as garças-reais, os grous, os cisnes, os pavões, etc". (1) Ou seja, o hábito de consumir aves de grande porte já era comum por lá. Contudo, o Peru ganha uma simbologia imensa em torno da ceia de Natal, na Inglaterra e de lá para outros países no século XIX. O historiador Carlos Roberto Antunes dos Santos, argumenta que: "A introdução e fixação do peru como prato principal na Europa e nas Américas, incluindo o Brasil, na comemoração do nascimento de Cristo, transformou o ritual do jantar de Natal em ceia. A abundância, e mesmo a extravagância, caracterizam a essência do momento da ceia de Natal, pois este ritual passou a ser entendido como expressão simbólica do sucesso frente aos ditames da vida cotidiana ao longo do ano. No Brasil, dependendo das disposições financeiras das famílias esta ceia, além do peru assado, pode comportar diversos outros pratos como salpicão, outras saladas, ostras, arroz à grega, pernil de porco, frutas, panetone, castanhas, nozes, bolos". (2) Rachel de Queiroz, em seu livro "O não me deixes suas histórias e sua cozinha" tem um capítulo intitulado "O Peru" em que ela nos conta que o Peru: "Em geral, prepara-se o peru sem recheio, simplesmente assado no forno, aberto pelo espinhaço, sem separar as bandas: alguém diria que ele fica de asas espalmadas como uma borboleta. Tem que ficar muito bem- assado, por dentro e por fora, com uma bela cor dourada. Esse peru não recheado é acompanhado de uma farofa caprichada, levando todos os miúdos, ovos cozidos, azeitonas, cheiro-verde etc. O peru recheado é mais raro e normalmente feito em casa de gente rica".(3) Pelo relato da escritora é possível perceber que a forma de consumo do Peru estava eivada de distinções sociais; "O Peru recheado é mais raro e normalmente feito em casa de gente rica". A forma como o Peru era servido "espelhava" distinções de classe. Rachel de Queiroz, nos diz ainda que, na festa cumeeira da casa do Não me deixes: "o peru recheado que só chegou para os convidados mais grados. Para a mais gente que acorreu mataram-se um Carneiro gordo, um bode novo e várias galinhas como complemento".(4) Mas, se a forma como era servido e quem comia o Peru no Natal refletia posição social, trinchar o Peru e dividir as "melhores partes" entre os presentes também era uma forma demonstrar hierarquias. Sobre essa questão, na Inglaterra, Santos nos diz que: "Em alguns lares, o chefe da família é convocado para trinchar o peru assado e dividi-lo entre os presentes. E neste ritual prevalece a hierarquia entre os convidados bem como as deferências, pois as ofertas das partes do peru, e mesmo de outros assados, eram graduadas segundo a posição social dos convidados"(5) E ainda,
"(...) no final do século XIX este ritual incluía a arte de amolar a faca; o trinchamento competente da ave pelo chefe de família, sentado ou levantado; as perguntas usuais sobre as partes que se deseja saborear e a oferta do molho. Esta cerimônia de trinchar a carne do peru é cada vez menos usual, mas ainda se mantém na Inglaterra".(6)
Ou seja, trinchar o Peru era demonstração de poder e importância. Na gravura, de Ulisse Aldrovani, datada do século XVI, temos o Peru ou Turkey. Aliás, uma das ilustrações mais bonitas que existe.
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📚✍🏽 Referências.
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📸Naturalist Zoology Ulisse Aldrovandi Turkey. Dominio Público.
(1)Flandrin e Massimo Montanari ; [tradução de Luciano Vieira Machado e
Guilherme J. F. Teixeira]. — São Paulo : Estação Liberdade, 1998. p, 413.
(2) (5)(6)História do peru na ceia de Natal
Autor: Prof. Carlos Roberto Antunes dos Santos – UFPR. Publicado em: Gazeta do Povo, 24 de dezembro de 2004. In:
(3) (4)Queiroz, Rachel de. O Não me deuxes/Rachel de Queiroz; [ apresentação Flávio de Queiroz Salek]. - 3° ed. Rio de Janeiro: José Olímpia, 2010, p. 68;69.
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